Considerações sobre o despejo rural e sua relevância para o sucesso da cadeia produtiva brasileira

A correta regulamentação e aplicação processual do despejo rural tem favorecido a proliferação do modelo de arrendamento rural na cadeia produtora do agronegócio brasileiro.

Pedro Henrique Fiori Felippe[1]

O agronegócio brasileiro é, notadamente, um dos setores mais expressivos da economia brasileira, correspondendo a 27,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país em 2021, segundo levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz e da Universidade de São Paulo (CEPEA – ESALQ/USP). Dentro da complexa estrutura que move o agro, diversos são os fatores que contribuem para o avanço dos números obtidos pelo setor, destacando-se o contínuo aprimoramento dos métodos de exploração das áreas rurais. Neste contexto, a crescente escolha pelo modelo de arrendamento rural ganha relevância.

O arrendamento rural é, em síntese, o contrato pelo qual um indivíduo cede a outro, por tempo determinado, uma área rural para que este exerça atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, mediante remuneração. À medida que sua utilização compõe percentual mais significativo da cadeia de produção, é imprescindível que o direito acompanhe tal desenvolvimento e, na esfera processual, oferte soluções pertinentes para efetivar o cumprimento das obrigações contratadas e, tão importante quanto, remediar o inadimplemento destas.

Uma vez encerrado o prazo contratual, ou, ainda, descumpridos os termos pactuados, o arrendador tem direito de pleitear a devolução de sua terra. Ainda que seja corriqueiro o ajuizamento de ações de reintegração de posse para perseguir o aludido direito, o instrumento processual adequado para estas hipóteses é o despejo rural, previsto no art. 32 do Decreto-Lei nº 59.566/1966, que regulamenta o Estatuto da Terra. Embora contido na secção destinado ao arrendamento, o despejo também é aplicável ao contrato de parceria rural.

O referido dispositivo prevê, taxativamente, as hipóteses de cabimento para a retomada da terra pelo arrendatário:

Art 32. Só será concedido o despejo nos seguintes casos:

I – Término do prazo contratual ou de sua renovação;

II – Se o arrendatário subarrendar, ceder ou emprestar o imóvel rural, no todo ou em parte, sem o prévio e expresso consentimento do arrendador;

III – Se o arrendatário não pagar o aluguel ou renda no prazo convencionado;

IV – Dano causado à gleba arrendada ou ás colheitas, provado o dolo ou culpa do arrendatário;

V – se o arrendatário mudar a destinação do imóvel rural;

VI – Abandono total ou parcial do cultivo;

VII – Inobservância das normas obrigatórias fixadas no art. 13 dêste Regulamento;

VIII – Nos casos de pedido de retomada, permitidos e previstos em lei e neste regulamento, comprovada em Juízo a sinceridade do pedido;

IX – se o arrendatário infringir obrigado legal, ou cometer infração grave de obrigação contratual.

Embora seja rica a exposição das razões pelas quais as hipóteses foram eleitas pelo legislador, é de fácil percepção a pertinência de cada uma delas, pois privilegiam a força executiva dos contratos e a preservação do imóvel, premissas que sustentam o agronegócio.

Todavia, há quem defenda que o rol legal não contempla todas as situações necessárias para o cotidiano dos negócios rurais e, com fundamento nestes princípios, pleiteia sua extensão para, por exemplo, a quitação de passivo ambiental decorrente de condenação judicial.

Alheio a estas discussões, cabe apresentar, não de forma exaustiva, algumas das peculiaridades do instituto do despejo rural, de imperativa observância às hipóteses legais e que podem, porventura, passar despercebidas pelos operadores do direito.

Nesse sentido, importante se atentar à previsão do art. 28, o qual assegura ao arrendatário o direito de permanecer no imóvel até que sejam encerrados os trabalhos necessários à colheita, quando houver a resolução ou extinção do contrato de arrendamento rural.

Soma-se à esta previsão, a do art. 21, §1º, que estabelece que os prazos de arrendamento sempre terminarão depois de finalizada a colheita, expressamente incluindo “a de plantas forrageiras cultiváveis” ou “após a parição dos rebanhos ou depois da safra de animais de abate’.

Ainda, para as hipóteses dos incisos I e VIII do art. 32, é exigido que o proprietário notifique o arrendatário ou o parceiro outorgado, no prazo de seis meses antes do término, sobre sua intenção de não manter o negócio jurídico, afinal, o arrendatário tem preferência à renovação do contrato em igualdade de condição com estranhos. Caso tal exigência não seja atendida, considerar-se-á renovado automaticamente o contrato.

Isto, pois, a continuidade destas relações é base do sucesso da produção do agro, visto que os investimentos são de grande monta, assim como é o tempo necessário para o êxito em atividade, de sabido retorno moroso.

É, inclusive, dentro dessa perspectiva que surge a peculiaridade mais inusitada da legislação: a comprovação da sinceridade do pedido de retomada. Para além da óbvia força imperativa do princípio da boa-fé, a exigência legal é uma ferramenta à disposição do arrendatário contra a violação de seu direito de renovação contratual, visto que não raras são as vezes que os pedidos de retomada são fundamentados em motivos inexistentes.

Aqui, o autor da ação de despejo deve fazer prova da sinceridade de seus motivos, devendo comprovar que a retomada é para i) exploração direta; ii) cultivo direto e pessoal, na forma dos arts. 7º e 8º do Regulamento; ou iii) para cultivo por meio de descendente. O ponto será analisado sob crivo do contraditório, podendo o réu fazer prova em sentido contrário e, caso o juízo não se convença da sinceridade do pedido, o contrato agrário permanecerá vigente e, eventualmente, o arrendador ou o parceiro-outorgante poderá ser condenado pelas perdas e danos que porventura causou.

Ainda, acaso o despejo rural seja fundamento no inadimplemento do aluguel convencionado, talvez a questão mais comum ao cotidiano do judiciário, é imperativo a observância do disposto no parágrafo único do art. 32, o qual possibilita ao devedor a possibilidade de purgar a mora e, assim, evitar a rescisão do contrato e o consequente despejo. Para tanto, poderá requer, no prazo da contestação, a possibilidade de quitar as pendências, somadas aos custos processuais e honorários advocatícios do autor, fixados pelo juiz, que também estipulará o prazo para o cumprimento da obrigação. O prazo não poderá ser superior a 30 (trinta) dias e conta-se a partir da entrega do mandado de citação, facultado o depósito judicial, caso o arrendatário se recuse a receber.

Sobre o rito, necessário uma explicação. O art. 86 do Decreto-Lei nº 59.566/66 prevê o rito sumário do art. 685 do Código de Processo Civil de 1939 para as ações relativas aos contratos de arrendamento rural, no que se inclui o despejo. E embora no CPC/1975 tenha sido mantido o mesmo rito para a ação, insculpido no art. 275, II, o “novo” Diploma processual não recebeu o rito sumário, forçando a alteração do procedimento da ação de despejo rural. Por força do art. 318 do CPC/15, a ação de despejo rural segue o procedimento comum. Como consequência disto, a liminar de despejo só é concedida mediante a comprovação dos requisitos do art. 300 do CPC.

Por fim, segundo o art. 25 do Decreto-Lei nº 59.566/66, ao final do contrato o arrendatário terá direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis e, até mesmo, das voluptuárias, contanto que a construção tenha sido expressamente autorizada pelo arrendador. Tal como a lei de locações, o §1º do aludido dispositivo estabelece o direito de retenção enquanto se aguarda o pagamento destas.

Por esta razão, importante verificar a existência de cláusula de renúncia a este direito no contrato de arrendamento ou parceria rural, visto que é elemento essencial para o deslinde de eventual ação de despejo. Caso não haja tal previsão, fica impossibilitado o pedido de despejo enquanto não for apurado o valor da indenização, o que certamente afetará a efetividade da medida.

Como se percebe, a via do despejo rural possui regulamentação própria, com especificidades que atendem aos interesses e as necessidades da cadeia produtora. Ao mesmo tempo que valoriza a continuidade das atividades agropecuárias, prioriza a proteção ambiental da área e a força executiva dos contratos.

Embora haja críticas à taxatividade de seu cabimento, o instrumento processual permanece sendo fundamental importância para a evolução da cadeia produtora, pois é eficaz em solucionar os mais comumente entraves encontrados na relação arrendador-arrendatário, ofertando satisfatória segurança jurídica para os interessados.

Em um ambiente de significativa insegurança jurisprudencial como é o negocial brasileiro, a correta regulamentação e aplicação processual do instituto do despejo rural tem propiciado a proliferação do modelo de arrendamento rural, de maneira a auxiliar o crescimento dos números do agronegócio brasileiro.


[1] Pedro Henrique Fiori Felippe é Advogado Associado da Advocacia Felippe e Isfer, atuando no setor de Contencioso Estratégico. Especialista em Processo Civil pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacelar. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

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