JOTA publica artigo de Henrique Isfer acerca de transação tributária

Transação tributária: há tributação sobre descontos concedidos pela PGFN?

Tendência nos TRFs é reconhecer a tributação de figuras que representam receita para fins contábeis

Henrique Roth Isfer

É inegável que a transação tributária, instituída pela Lei 13.988/2020, está sendo extremamente bem-sucedida em seus objetivos. Para além de inaugurar uma inédita relação entre fisco e contribuintes, sob o incentivo dos ideais de cooperação e consensualidade que têm marcado o sistema jurídico brasileiro nos últimos anos, o instituto também serviu como eficiente instrumento de recuperação de créditos fiscais.

Em relatório divulgado pela PGFN[1], que analisou a situação da Dívida Ativa da União no primeiro semestre de 2021, constatou-se que as transações e os parcelamentos foram responsáveis por 45% do total de créditos recuperados pela entidade no período. Trata-se de percentual que representa praticamente o dobro do obtido por meio de execução forçada (23%). Foram 388 mil acordos firmados, em valores que superaram R$ 112 bilhões.

Inobstante o cenário positivo, o presente texto, em continuidade às reflexões travadas pelo Núcleo de Direito Tributário do Mestrado Profissional da FGV-SP, possui o objetivo de alertar os operadores do direito sobre um efeito muitas vezes não considerado no aconselhamento aos contribuintes: a possível incidência das contribuições ao PIS/Pasep e à Cofins sobre os descontos concedidos pela PGFN.

O tema cinge-se à seguinte questão: sendo a diminuição do crédito fiscal uma redução no passivo da devedora, sem contrapartida no ativo contábil, não consistiria o referido desconto receita tributável para fins de incidência das contribuições ao PIS/Pasep e à Cofins? Em outras palavras, os descontos concedidos nos acordos de transação tributária se enquadrariam no conceito jurídico de receita?

A discussão ganhou novos contornos com recentes decisões – desfavoráveis aos contribuintes – nos Tribunais Regionais Federais que trataram da incidência fiscal sobre os valores perdoados no Programa Especial de Regularização Tributária (PERT), instituído pela Lei 13.496/2017. A 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em julgamento da Apelação Cível n.º 1011182-17.2018.4.01.3800, entendeu que a remissão de dívida, por ser acréscimo patrimonial, deve ser tributada; mesmo caminho adotado pela 6ª Turma do TRF3 em março do ano passado na AC n.º 5001508-68.2019.4.03.6123, a qual declarou que a incidência fiscal somente poderia ser afastada pelo legislador, na medida em que “os valores renunciados quando do pagamento à vista configuram extinção definitiva do passivo contábil empresarial e, em contrapartida, receita nova no ativo contábil quando da adesão ao PERT”.

Ambas, portanto, se basearam no conceito contábil de receita, que se encontra delineado no Pronunciamento n.º 47 do CPC (CPC 47):

Aumento nos benefícios econômicos durante o período contábil, originado no curso das atividades usuais da entidade, na forma de fluxos de entrada ou aumentos nos ativos ou redução nos passivos que resultam em aumento no patrimônio líquido, e que não sejam provenientes de aportes dos participantes do patrimônio.

É inegável que os parcelamentos fiscais e a transação tributária são figuras distintas, que não permitem comparações sem o devido critério. Basta observar que as concessões de “descontos” sobre juros, multas e encargos legais, que ocorriam de forma indiscriminada nos parcelamentos especiais, dependem, na transação, da efetiva verificação da capacidade econômica do contribuinte.

No entanto, ambas as figuras possuem efeitos econômicos similares: a diminuição do passivo fiscal, sem contrapartida no ativo, que possui como consequência o lançamento de receita contábil, fato este que tem servido de embasamento para confirmar a tributação das contribuições ora analisadas.

Nesse sentido, é necessário refletir se a existência de receita contábil seria determinante para o reconhecimento de uma receita jurídica para fins de incidência das contribuições ao PIS/Pasep e à Cofins.

Sem a pretensão de esgotar o tema neste curto espaço, entende-se que a resposta passaria por três etapas fundamentais. A primeira consistiria na análise da natureza jurídica destas diminuições. Ora, se a norma jurídica fiscal se constitui de uma hipótese que, caso confirmada no mundo real, cria um mandamento de recolher tributos, o estudo dos possíveis fenômenos subsumíveis àquela hipótese torna-se essencial[2].

A segunda seria a verificação da existência de um conceito jurídico de receita para fins fiscais, descolado do contábil. Inobstante a importância que a contabilidade possui, enquanto instrumento de expressão de fenômenos econômico-financeiros, também é igualmente verdade que os objetivos, critérios e princípios que regem o Direito e as Ciências Contábeis são absolutamente distintos, sobretudo após o advento do padrão IFRS. Enquanto esta deve se preocupar em fornecer a informação adequada aos agentes econômicos acerca da realidade patrimonial da sociedade, a tributação deve estar sempre atrelada aos “princípios e regras constitucionais que, de um lado, prestigiam a segurança jurídica, a capacidade contributiva e a certeza do Direito e, de outro lado, estão vinculadas às formas de Direito Privado”[3].

Por fim, deve-se realizar análise sobre a força vinculante da ratio decidendi[4] no voto vencedor do Recurso Extraordinário n.º 606.107, com repercussão geral reconhecida, no qual a ministra Rosa Weber destacou a existência de “conceito constitucional” de receita “cujo conteúdo, em que pese abrangente, é delimitado, específico e vinculante” e que independe de sua denominação ou classificação contábil (artigo 1º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003). Segundo a ministra, o fenômeno, para se enquadrar como receita, deve ser “ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições”.

Independentemente da conclusão a ser alcançada pelo intérprete, o que busca sinalizar o presente texto é a atual tendência dos Tribunais Regionais Federais em reconhecer a tributação de figuras que representam receita para fins contábeis, como é o caso dos parcelamentos especiais (com desconto) e da transação tributária. Não se trata, de forma alguma, de diminuir ou desincentivar esta última que, como visto, se mostrou excelente instrumento de regularização fiscal e de recuperação de créditos à Fazenda Pública, mas apenas de reforçar a importância de uma análise minuciosa sobre o assunto que leve em consideração, de um lado, as peculiaridades do instituto da transação e, de outro, o reconhecimento de um conceito jurídico de receita para fins de incidência das contribuições ao PIS/Pasep e à Cofins.

Confira aqui a publicação

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[1] Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Boletim de Acompanhamento Gerencial da Dívida Ativa da União: Edição Especial. 1º Semestre de 2021. Disponível em: https://www.gov.br/pgfn/pt-br/assuntos/divida-ativa-da-uniao/estudos-sobre-a-dau/boletim-de-acompanhamento-gerencial-junho-2021.pdf. Acesso em: 7 mar. 2022.

[2] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 49.

[3] BOZZA, Fábio Piovezan; DANIEL NETO, Carlos Augusto. Um tributo ao perdão – a incidência de PIS/Cofins sobre a remissão de dívidas. Revista Direito Tributário Atual, v. 41, 2019, p. 141.

[4] Sobre o assunto, conferir “Os precedentes no CPC de 2015”, Capítulo IV de MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

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