Tema repetitivo 1.076 e os incidentes de verificação de créditos
Afinal de contas, como fica a aplicação do tema 1.076 do STJ nos incidentes de verificação de créditos?
Rodrigo Romig Fernandes
O Tema 1.076 do STJ quebrou paradigmas e reafirmou a aplicação dos percentuais do CPC nos processos de conhecimento, todavia, como fica a sua aplicação nos incidentes de verificação de créditos?
Em março do corrente ano, o STJ finalizou o julgamento do tema 1.076 dos Recursos Repetitivos, o qual tinha por objeto a discussão sobre como deve ocorrer a fixação dos honorários sucumbenciais em processos de alto valor, se por apreciação equitativa ou por aplicação dos percentuais previstos na lei processual.
A decisão da Corte, certamente uma das mais aguardadas pela comunidade jurídica nos meses que precederam ao julgamento, resultou na elaboração da seguinte tese:
i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC – a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.
ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.
Seguidamente ao julgamento realizado, o Congresso Nacional, por coincidência ou não, aprovou a lei 14.365/22, a qual nada mais fez senão incorporar no Código de Processo Civil disposições semelhantes ao entendimento firmado pela Corte Superior, inclusive com complementos. Na ocasião, inseriram-se no art. 85 da lei processual os parágrafos 6º-A e 8º-A, os quais possuem a seguinte redação.
Art. 85. […] § 6º-A. Quando o valor da condenação ou do proveito econômico obtido ou o valor atualizado da causa for líquido ou liquidável, para fins de fixação dos honorários advocatícios, nos termos dos §§ 2º e 3º, é proibida a apreciação equitativa, salvo nas hipóteses expressamente previstas no § 8º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.365, de 2022)
§ 8º-A. Na hipótese do § 8º deste artigo, para fins de fixação equitativa de honorários sucumbenciais, o juiz deverá observar os valores recomendados pelo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil a título de honorários advocatícios ou o limite mínimo de 10% (dez por cento) estabelecido no § 2º deste artigo, aplicando-se o que for maior. (Incluído pela lei 14.365, de 2022)
A partir de tais inovações, houve a confirmação de que a aplicação dos percentuais previstos no art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, no arbitramento dos honorários sucumbenciais deve ser a regra, já a fixação por equidade, a exceção.
Não há que se negar que se trata de uma verdadeira mudança de paradigma no sistema processual brasileiro, todavia, surge a importante indagação de como se dará a aplicação destas novas normas nos incidentes de verificação de créditos da falência e da recuperação judicial.
No âmbito dos processos falimentares e recuperacionais, a inclusão e a retificação dos créditos relacionados no quadro geral de credores ocorrem por meio dos procedimentos de habilitação e impugnação, respectivamente.
Tais incidentes podem ocorrer de forma administrativa, tal como previsto no art. 7º, §1º, da lei 11.101/05, ou na forma judicial, conforme as hipóteses dispostas no art. 8º, caput, c/c art. 10, caput e §5º, da mencionada lei. Nesta breve discussão, estar-se-á tratando a respeito dos procedimentos judiciais de habilitação e impugnação de créditos.
Pois bem, estes procedimentos têm por finalidade declarar um novo crédito na relação de credores, modificar algum de seus dados lá existentes, tais como valor, titularidade, classificação ou a data de sua última atualização, ou, até mesmo, retirar um crédito lá relacionado. Neste sentido, é de se notar que tais incidentes possuem natureza meramente declaratória1.
Outra característica significativa destes procedimentos, mas em especial da habilitação de créditos, é a de que usualmente não exigem dilação probatória tal como nas ações de conhecimento, visto que ao credor interessado é atribuído o ônus de informar o valor de seu crédito atualizado e a sua classificação, bem como de comprovar a sua origem ou desde já indicar quais provas deverão ser produzidas para atestá-la já em seu pedido inicial, conforme preceituado pelo art. 9º, II e III, da lei falimentar. Ou seja, o procedimento de verificação de crédito, a princípio, está instruído desde a sua origem, não havendo fase de instrução.
Claro que, sendo a falida, a empresa recuperanda e o administrador judicial chamados a se manifestar nestes incidentes de caráter contencioso, naturalmente poderão surgir discordâncias com as informações inicialmente prestadas pelo credor em seu pedido ou até mesmo ser suscitada a inexistência do crédito alegado, dentre outras irresignações possíveis. Tais situações podem vir a demandar o alargamento da instrução probatória nestes incidentes, sendo possível inclusive a designação de audiência, tal como enunciado no art. 15, IV, da lei falimentar.
Nestas ocasiões, havendo a impugnação da falida, recuperanda ou administrador judicial, a controvérsia e a litigiosidade entre as partes podem vir a ser instauradas se não houver aquiescência do credor postulante, o que ocasionará a existência de um vencedor e um sucumbente ao final do processo2.
Todavia, havendo a discordância das partes unicamente em relação aos elementos formais do crédito declarado (valor, classificação, data de constituição, etc) e sendo configurada a litigiosidade, como se dará a sucumbência dos incidentes de habilitação e de impugnação? Haveria a aplicação do 1076 e do mencionado art. 85, §6º-A para condenar a massa falida e a recuperanda ao pagamento de honorários sucumbenciais nos percentuais previstos pelo Código de Processo Civil? Aparenta-se que esse não seria o melhor caminho.
Conforme visto anteriormente, tais incidentes de verificação de créditos não apenas possuem conteúdo meramente declaratório, como também não se observa, na prática, a necessidade de instrução robusta em sua jornada processual, sendo claramente diferentes das ações de conhecimento que originaram o 1076 e das quais este e o art. 85, §§2º e 6º-A, do Código de Processo Civil, foram desenvolvidos para serem aplicados.
Na hipótese questionada, o que se diverge são apenas aspectos formais do crédito a ser habilitado ou que já se encontra inserido na relação de credores, não se tratando de uma discussão a respeito de sua certeza, liquidez ou exigibilidade – o que naturalmente demandaria um exame aprofundado e exauriente tal como se ação de conhecimento fosse.
Outro ponto a ser considerado é o de que a habilitação e a impugnação de créditos servem unicamente para alterar o quadro geral de credores na falência ou na recuperação judicial e satisfazer a pretensão do credor em ver o seu crédito retificado ou nele inserido. Em outras palavras, a pretensão do credor habilitante é a de “que lhe seja reconhecido o direito de participar da execução coletiva”3.
Veja-se, assim, que não há que se falar em constituição imediata de proveito econômico propriamente dito.
Isto porque, no caso das recuperações judiciais, o credor apenas saberá qual o seu proveito econômico a partir do momento em que houver a efetiva homologação do plano apresentado pela recuperanda, ocasião em que o seu crédito sofrerá os efeitos do plano acordado e restará novado na forma do art. 59, caput, da lei 11.101/05. Já nas falências, o proveito econômico surgirá com o eventual rateio entre os credores de sua classe, podendo este inclusive ocorrer de forma parcial se os recursos forem insuficientes.
O TJ/SP, maior repositório jurisprudencial no âmbito do direito empresarial do país, parece já ter definido o seu posicionamento acerca do tema neste sentido, conforme se verifica em seus recentes julgados: AI 2218187-43.2020.8.26.0000 (j. 02.12.2022); AI 2125666-79.2020.8.26.0000 (j. 29.11. 2022); AI 2225443-71.2019.8.26.0000 (j. 09.11.2022); AI 2035856-64.2018.8.26.0000 (j. 09.10.2022); AI 2175868-26.2021.8.26.0000 (j. 25.07.2022); AI 2124884-04.2022.8.26.0000 (j. 15.08.2022); AI 2086773-48.2022.8.26.0000 (j. 23.08.2022) e AI 2208120-82.2021.8.26.0000 (j. 24.08.2022).
Neste diapasão, em se tratando de um proveito econômico inestimável nestes incidentes ante a impossibilidade de mensurá-lo de forma imediata na falência e na recuperação judicial, revela-se adequada, sob uma análise inicial, a fixação dos honorários sucumbenciais por meio do arbitramento por equidade, tal como exposto no art. 85, §8º, do Código de Processo Civil.
Por obvio não há que se falar na aplicação dos percentuais do art. 85, §2º, da lei processual, tal como sugerido pelo recém-adicionado §8º-A, haja vista todo o conjunto de características inerentes aos incidentes de verificação de créditos expostas em linhas anteriores que os distanciam de tal modalidade de arbitramento.
Não obstante o disposto anteriormente, não se pode deixar de relembrar que o procedimento de recuperação judicial, em especial, serve para que “uma empresa possa, da melhor forma, ser reestruturada e aproveitada, alcançando uma rentabilidade autossustentável, superando com isto, a situação de crise econômico-financeira em que se encontra seu titular […], permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego e a composição dos interesses dos credores“4.
A partir do momento em que se possibilita a fixação de honorários sucumbenciais nos percentuais previstos no Código de Processo Civil em procedimentos de verificação de créditos, não só poderão ser arbitrados vultosos valores em face da recuperanda, como também estes serão considerados extraconcursais por terem sido constituídos após o marco temporal do art. 49, caput, da lei 11.101/05, o que aponta para o surgimento de uma situação insustentável à recuperação judicial, especialmente àquelas com dezenas ou centenas de credores.
Trata-se de uma nova e delicada situação que surgiu e que certamente gerará discussões em âmbito jurisprudencial até ser resolvida, todavia, em um primeiro momento o que se verifica é o caráter desarrazoado na opção pela aplicação do 1076 e do art. 85, §§ 2º e 6º-A do Código de Processo Civil, nos incidentes de habilitação e impugnação na falência e na recuperação judicial, em especial naqueles em que se instaurou controvérsia unicamente no tocante aos aspectos formais dos créditos deles objeto.
Confira aqui a publicação.
Referências:
CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime de insolvência empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
FAZZIO JUNIOR, Waldo. Lei de falência e recuperação de empresas. 7. Ed. São Paulo: Atlas, 2015.
MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: falência e recuperação de empresas, v. 04. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2008.
SIMIONATO, Frederico Augusto Monte. Tratado de direito falimentar. Rio de Janeiro: Forense, 2008.