A livre concorrência e a necessidade do CADASTUR para obter o benefício fiscal do PERSE

Arthur Sandro Golombieski Ferreira[1]

 Está sendo amplamente divulgada na mídia jurídica a criação do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE) pelo Governo Federal – Lei n.º 14.148/2021 –, por meio do qual foi instituído o benefício fiscal de alíquota zero do IRPJ, da CSLL, do PIS/Pasep e da COFINS para diversas atividades relacionadas ao setor de eventos, pelo prazo determinado de cinco anos (artigos 2º c/c 4º)[2], entre outras questões.

 A Portaria ME n.º 7.163/2021, por sua vez, publicou dois anexos constando os CNAE que são considerados aptos a obter a benesse pela pessoa jurídica. Todavia, o Anexo II indicou que a sociedade empresária, além de possuir aquele determinado CNAE, também deveria estar cadastrada no Ministério do Turismo (CADASTUR).

 Nessa segunda situação, a título exemplificativo, entram os “Restaurantes e similares” (CNAE 5611-2/01), para os quais, de acordo com a interpretação literal dos instrumentos supracitados, o benefício somente poderia ser concedido se estivessem regularmente cadastrados na data de publicação da Lei n.º 14.148/2021.

 Frente a isto, diversos contribuintes estão questionando perante o Poder Judiciário a obrigatoriedade do CADASTUR e até mesmo a possibilidade de inscrição após a publicação da lei supra, mas a jurisprudência – ao menos a do Tribunal Regional Federal da 4ª Região –, está se inclinando no sentido de que ambas as exigências são válidas[3].

 Confira-se a ementa de recente acórdão:

TRIBUTÁRIO. PROGRAMA DE RETOMADA DO SETOR DE EVENTOS. PERSE. L 14.148/2021. ALÍQUOTA ZERO. IRPJ, CSLL, PIS E COFINS. EXIGÊNCIA DE INSCRIÇÃO NO CADASTUR. PORTARIAS DO MINISTÉRIO DO TURISMO. RESTAURANTES, CAFETERIAS, BARES E SIMILARES.

As turmas de matéria tributária deste Tribunal Regional Federal da Quarta Região mantêm jurisprudência indicando que os restaurantes, cafeterias, bares e similares que não constavam no CADASTUR como prestadores de serviços turísticos ao tempo da publicação da L 14.148/2021 não podem se enquadrar no PERSE para beneficiar-se da redução das alíquotas do IRPJ, CSLL, PIS-PASEP e COFINS prevista na L 14.148/2021.[4]

 Ocorre que, em leitura de diversos acórdãos do referido Tribunal sobre o tema, notou-se que os Ilustres Julgadores não estão analisando a questão sob a ótica do princípio da livre concorrência, positivado no artigo 170, IV, da Constituição Federal, o qual veda, naturalmente, a concorrência desleal.

 Isso porque, a título exemplificativo, para as pessoas jurídicas com a atividade de “Restaurantes e Similares” (além das outras elencadas no parágrafo único do artigo 21 da Lei n.º 11.771/2008 e o artigo 2º, II, da Portaria do Ministério do Turismo nº 38/2021), é facultativa a inscrição no CADASTUR, nos termos de referidos dispositivos.

 Além do mais, consta, no sítio eletrônico do CADASTUR[5], que “tanto o cadastro como a renovação são totalmente gratuitos[6], bastando comprovar que o CNPJ está ativo e que realmente exerce referida atividade.

 Ou seja, se uma churrascaria localizada em determinado município efetuou, a seu exclusivo critério, o cadastro gratuito no Ministério do Turismo, terá direito ao generoso benefício fiscal por cinco anos e poderá reduzir seus preços e/ou investir no desenvolvimento da atividade, enquanto outra churrascaria – de padrão idêntico e situada no mesmo município –, que não está inscrita no CADASTUR, não poderá usufruir da benesse e sofrerá com a concorrência desleal em comparação ao primeiro restaurante.

 Frente a este cenário, surge a reflexão que se provoca com este breve comentário: é constitucional, à luz do princípio da livre concorrência (artigo 170, IV, da CF), impedir que sociedades empresárias indicadas no Anexo II da Portaria ME n.º 7.163//2021 obtenham o benefício fiscal do PERSE, simplesmente por não possuírem inscrição no CADASTUR antes da publicação da lei?

 Entende-se que a resposta seja negativa, justamente pelo fato de que sustentar o entendimento contrário acarretaria a inegável concorrência desleal entre pessoas jurídicas do mesmo segmento de atuação, por um trivial cadastro que é gratuito e não exige o atendimento de requisitos relevantes.

 Essa provocação deve ser levada ao Poder Judiciário para que a questão seja devidamente esclarecida e fundamentada. Espera-se, ao final, que o resultado seja positivo ao contribuinte sem inscrição no CADASTUR, sob pena de que este seja severamente prejudicado em detrimento de seu concorrente.

 


[1] Arthur Sandro Golombieski Ferreira é Advogado Associado da Advocacia Felippe e Isfer, atuando no setor de Direito Tributário. Especialista em Direito Tributário pela PUC/PR. Graduado em Direito pela Unicuritiba e em Ciências Contábeis pela FIPECAFI. Endereço eletrônico: a.ferreira@afi.adv.br.

[2] A nosso ver, algumas atividades não estão nada relacionadas com o setor de eventos.

[3] Acredita-se que a discussão ainda vá alcançar as Cortes Superiores.

[4] (TRF4, AC 5002353-26.2022.4.04.7010, PRIMEIRA TURMA, Relator MARCELO DE NARDI, juntado aos autos em 27/10/2022). Outro exemplo, também do TRF4: AG 5022229-45.2022.4.04.0000, 1ª Turma, Relator LEANDRO PAULSEN, juntado aos autos em 13/09/2022)

[5] https://cadastur.turismo.gov.br/hotsite/#!/public/duvidas-frequentes/inicio -> “Qual o objetivo do cadastro?” e “Tenha que pagar para me cadastrar?”

[6] Informação constante no próprio site do Ministério do Turismo acima citado, bem como artigo 2º, § 1º, da Portaria MTur nº 38/2021:

Art. 2º Estão sujeitas ao cadastro as sociedades empresariais, as sociedades simples, os empresários individuais, os microempreendedores individuais, as empresas individuais de responsabilidade limitada, os serviços sociais autônomos, os profissionais liberais ou autônomos, bem como cada uma de suas filiais em qualquer parte do País, e será: (…) II – facultativo para: a) restaurantes, cafeterias, bares e similares.

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